Páginas

15 de ago. de 2011

O pior cego não é aquele que não enxerga é aquele que não quer ver. / O Poeta e a Cega - Parte O8



O mês foi chuvoso, os intervalos eram curtos e frios. Tudo estava bem entre Peter e Anna. Já não comentarão mais sobre a ida dele para Los Angeles, afinal de contas a decisão já havia sido tomada.
- Mais tarde eu vou na cidade. - Disse Peter sentado no chão enquanto observava Anna fazer uma trança em seus cabelos. Eram tão longos que no meio da trança Anna parava para descansar os braços. A alça do vestido dela estava caido deixando a mostra o seu ombro. Podia parecer bobeira, mais Peter conseguia ficar hipnotizado por Anna.
- Tudo bem. - Ela disse e isso o incomodou. O fato de parecer que Anna nunca se envolvia por completa ou de não se importar com quem e pra onde ele iria o incomodava. Ele suspirou fundo na intenção de chamar a atenção dela, mais não funcionou. Ela parecia estar... Cansada dele.
- Vou voltar tarde. - Ele tentou mais uma vez.
- Ok. - Ela respondeu friamente.
- Anna o que está acontecendo?
- Deveria estar acontecendo alguma coisa?
- Não sei, deveria?
- Peter... Olha só, eu não estou me sentindo bem. Não sei o que está acontecendo, estou morrendo de sono. Quando você chegar a gente conversa, pode ser? - "E tinha escolha?" Ele pensou. "Distúrbio de personalidade múltipla... Só pode ser", "Ainda bem que ela não lê pensamentos... Ou lê?" Ele a olhou pelo canto do olho como se houvesse mesmo a possibilidade dela ler pensamentos e saiu do quarto.
Não quis bater a porta para não parecer dramático demais e achou que o melhor seria esquecer. Fez um sanduiche de geleia e creme de amendoin e comeu, mais continuou sentindo fome e fez outro.
A chuva estava cessando vagarosamente e sem piedade assim que a chuva parava o frio vinha com toda a sua força.
Peter calçou suas botas e se agasalhou, saiu de casa sem se despedir de Anna, e pra ser sincero consigo mesmo... Ele até havia se esquecido. Ao ouvir a porta no andar de baixo batendo Anna sentiu vontade de chorar. Nos últimos dias ela andava abalada sentimentalmente. Com um certo tipo de medo ou até mesmo arrependimento.
- Eu mesmo não me entendo... - Disse para Rain. A gata estava deitada sob sua barriga e ronronava como resposta. - As vezes eu me sinto tão bem com ele, outras eu sei lá... Fico enjoada. Como se você passasse o dia todo comendo doce. - Anna suspirou. - E falando em doce... - Ela se levantou deixando a gata no chão e foi apalpando a parede até chegar na porta. Desceu as escadas direto para a cozinha.
- Eu sei que o Peter fez um bolo de chocolate ontém. - Ela disse para se mesma. - Deve estar na geladeira. Assim como a calda de chocolate. - Apalpou tudo na geladeira até encontrar o que queria. Primeiro deixou o bolo na mesa e depois a calda. Procurou alguma cadeira com as mãos e assim que encontrou se sentou.
Comeu, comeu todo o bolo, e depois que bebeu agua perecia ainda sentir fome mais não comeu. Continuou sentada ali na sala e de repente sentiu uma vontade imensa de chorar. Colocou as mãos na testa, como se sentisse que sua cabeça fosse explodir e chorou. Não sabia e nem imaginava o porquê, mais algo incomodava. De repente o choro virou raiva. Começou a despejar a calda de chocolate na boca mais parou assim que sentiu a saliva voltar quente da sua garganta para a boca. Ela queria vomitar.
- Peter. - Ela o gritou, mais não havia nada ali do que ela e o silencio. Ela tapou a boca tentando evitar que aquilo acontecesse ali e procurou num ato de desespero a escada.
Subiu rapidamente tropeçando algumas vezes e entrou no banheiro. "Aquela calda deve estar estragada. Estava mesmo com o gosto ruim." Pensou. Sentia o gosto ruim na lingua, se sentia incomodada e resolveu tomar um banho.
Fraca. Ela se sentia fraca. Se deitou na banheira como se seu corpo suplicasse por aquilo, suplicasse para que ele ficasse quieto. Colocou os braços sobre a beirada da banheira e ficou ali.
"Ondas..." Ela pensou. Pelo movimento em que a agua fazia na banheira fez com que ela se lembrasse da primeira vez que beijou Peter. Então Anna sorriu e adormeceu.
Anna estava com uma venda nos olhos. - O que é isso? - Ela perguntou. - Uma surpresa. - Pela voz, ela logo reconheceu que era Peter. Então ela sorriu, sem nenhum motivo, só pelo fato dele estar ali. 
Ele a segurava delicadamente pela mão e a levou para algum lugar com um cheiro bom. Cheiro de bolo de laranja. Um cheiro doce e agradável. 
- Preparada? - Ele perguntou. 
- Sim. - Ela sorriu e ele foi tirando a venda que lhe tampava os olhos. Um espelho. Espera. Ela estava enxergando. Perfeitamente. Estava vestida com vestido longo e azul claro. O cabelo esta cheio de cachos e os seus olhos tinham a cor de mel. Ela sorriu tão impressionada e maravilhada que queria gritar. 
De repente notou que estava no vale e o espelho já havia desaparecido. Peter estava atrás dela com um sorriso cheio de ternura. "Ele é lindo" Ela pensou. Estava vestido com roupa de gala e seus olhos eram de um azul celeste incrível. Anna se lembrou das historias sobre anjos que sua mãe contava para ela. 
- Obrigada. - Ela agradeceu sem mesmo saber se havia voltado a enxergar por causa dele.
- Eu não fiz nada. - Ele disse a beijou. Ela devolveu o beijo com a mesma intensidade, com o mesmo carinho e desejo. Assim que parou o beijo e dedicou um tempo para o observar ainda mais, notou que quem estava ali já não era Peter. Era outra pessoa. Alguém que ela não conhecia. Um homem louro dos olhos escuros. Sem expressão de sentimento. Sem nada.
- Aonde está Peter?
- Ele não faz mais parte da sua vida. - O homem louro respondeu.
- É claro que faz. Ele estava aqui... A pouco tempo. - Ela estava ficando desesperada.
- Foram apenas lembranças.
- Traga Peter agora mesmo.
- Não posso.
- É claro que pode. Traga Peter agora mesmo.
- Você pode escolher... Viver com Peter e ser cega. Ou poder enxergar e viver sem ele. 
- O que?
- Eu sei que você já escolheu. - O homem louro foi desaparecendo. Aliás... Tudo foi desaparecendo. A escuridão estava tomando conta do espaço e tudo que ela podia era ouvir alguém chamando seu nome. "Anna, Anna... Acorde por favor. Anna!" - Anna foi abrindo seus olhos devagar. A luz fez sua cabeça doer. Peter... Era Peter que estava chamando por ela. Ela podia o sentir, bem ali... Na sua frente.
Queria poder o abraçar, mais antes disso sentiu vontade de vomitar outra vez.

Continua...